O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

próximo clube - dia 8 de Junho

quando eu for grande





aqui está uma versão do poema da Manuela de Freitas, cantada pelo José Mário Branco

ainda a noite de poesia no pelourinho

acabam de nos chegar estas fotos:




















fotos: Marco Pereira

25 de Maio - Quando eu for grande...

Esta sessão serviu para uma preparação breve da sessão de dia 29 de Maio na Junta de Freguesia. Nesse dia o Clube de Leitura (embora em versão reduzida) vai animar a entrega dos prémios relativos aos trabalhos dos dias "do Pai" e "da Mãe" aos alunos das escolas do Monte Novo, Valbom e Restauração.

As leituras para essa sessão estão assinaladas com (*) e os 'coros' a negrito

(*) Canção de um buraco (Álvaro de Magalhães in Isto é que foi ser) - Mariana

(*) Ciranda da Bailarina (Chico Buarque) - Helena R.

A versão musical por Adriana Calcanhoto está aqui
Quando eu for grande... quero ser bailarina


Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga,
tem ameba

Só a bailarina que não tem

E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira ela não tem
Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem
um irmão meio zarolho

Só a bailarina que não tem

Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida ela não tem
Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
ou tem febre amarela

Só a bailarina que não tem

Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem
Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem
um primeiro namorado

Só a bailarina que não tem

Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem
O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem,
todo mundo tem pentelho

Só a bailarina que não tem

Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem

Procurando bem...
Todo mundo tem
(*) O Indeciso (José Jorge Letria, in O que eu quero ser...) - Helena M.


Eu quero ser tudo
futebolista e arquitecto
actor de cinema mudo
é preciso é que dê certo.

No fundo o que eu quero
é ser grande e bem depressa
porque isto de crescer
não pode ser só conversa.

Quero ser grande em altura
sem ter projecto nenhum
e quem sabe se hei-de ser
piloto de Fórmula Um?

Também quero ser marinheiro,
alpinista e domador,
herói de banda desenhada,
pirata e aviador.

Quero ser de tudo um pouco
Pois tenho imaginação
Para acreditar que acordo
Com o mundo na palma da mão.
 
No fundo, quando eu for grande

Sem que isso seja um insulto
O que eu acho que vou ser
Afinal é mesmo adulto.
(*) Grávida no coração - Rita
(*) Julie dos Lobos de Jean Craighead George (excerto) - Cecília

(*) Crescer in O que é a liberdade

(*) A Canção dos Adultos (de Manuel António Pina in O pássaro da cabeça (il. Joana Quental) - Fernando


Parece que crescemos mas não,
somos ainda do mesmo tamanho.
As coisas que à nossa volta estão
é que mudam de tamanho.

Parece que crescemos mas não crescemos,
foram as coisas grandes que há,
o amor que há, a esperança que há,
que ficaram mais pequenos.

Estão agora tão distantes
que às vezes já mal as vemos.
Por isso parece que crescemos
e somos maiores que antes.

Mas somos ainda como antes,
talvez até mais pequenos
quando o amor e o resto estão distantes
que nem vemos como estão distantes.

Julgamos então que somos grandes
e já nem isso compreendemos!

(*) Poema (de Miguel Torga in Diário XIII) - Augusto

Não tenhas medo, ouve:

É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.

Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.

E pode acontecer que te dê paz...
(*) Liberdade (de Fernando Pessoa in Obra poética) - Augusto


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!

Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por Dom Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca....
(*) Verbo Ser (de Carlos Drummond de Andrade) - Cristina


Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
Outras Leituras

Um excerto de Está alguém aí? de Jostein Gaarder - Rodrigo


Passado, Presente, Futuro (José Saramago, in "Os Poemas Possíveis") - João

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

Segredo (Miguel Torga) - Isabel ... e João também , que ele fazia questão!

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...
Excerto de Narciso e Goldmundo de Herman Hesse - Helena
 
Excerto de Adolescente agrilhoado de Alexandre Melo e Silva - António
 
Não quero, não (Eugénio de Andrade) - Mila

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Quero um cavalo só meu,
seja baio ou alazão, sentir o vento na cara,
sentir a rédea na mão.

Não quero, não quero,não
ser soldado nem capitão.
Não quero muito do mundo:
quero saber-lhe a razão,
sentir-me dono de mim,
ao resto dizer que não.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.
Conta Contos Excerto de Histórias que ajudam a crescer (Montse Domènech e Eduardo Estivil) - Alexandra (o livro pode ser comprado aqui)

Para ser grande, sê inteiro (Fernando Pessoa / Ricardo Reis) - Pedro

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

14 de Maio - mais bolo...


Primeiro que tudo queria agradecer a todos por uma festa de anos inesquecível! MUITO OBRIGADA!

Para quem me pediu as referências, o contacto é "doces paladares". O bolo tinha massa de chocolate e recheio de compota de frutos silvestres, mas há muitas outras opções, quase todas testadas e aprovadas.

11 de Maio - Manducação

Porque ler e comer mexem os mesmos músculos, aqui fica a receita do Bolo de maçã e nozes

















Ingredientes:
2 canecas de açúcar
3 canecas de farinha
1 c. de chá de fermento
5 ovos inteiros
1 caneca de nozes
1 caneca de óleo
1 c. de chá de canela
1 c. de chá de bicarbonato de soda
1 c. de chá de baunilha líquida
1 ou 2 maçãs reinetas

Preparação:
Descasque e corte a maçã aos quadradinhos.
Numa taça, ponha a maçã, nozes, baunilha, canela, bicarbonato de soda e o óleo, misture tudo e deixe repousar uma hora.
Ao fim de uma hora, bata os ovos inteiros com o açúcar, junte a farinha, mexa e leve ao forno em forma de bolo inglês, untada com manteiga e polvilhada com farinha.

Comentários da Cristina:
Devo já dizer que eu não fiz o bolo conforme a receita, fiz mais ou menos. Umas coisas não tinha (como a baunilha líquida, por exemplo, ou as maçãs que não eram reinetas mas sim das outras - vermelhas, não sei o nome), não deixei nada a repousar, fui pondo tudo para dentro de uma taça e mexi. Enfim, fiz como a maior parte das pessoas faz, acho eu.

25 de Maio - Quando eu for grande...

O tema para 25 de Maio foi sugerido pelas Associações de Pais das escolas do Monte Novo, Restauração e Valbom, de modo a que possamos integrar a sessão de entrega de prémios dos trabalhos dos dias "do Pai" e "da Mãe" que foram realizados pelos alunos destas escolas. Essa sessão decorre no dia 29 de Maio, entre as 10h00 e as 12h00 na Junta de Freguesia de Alcochete. Somos esperados por volta das 11h00.

25 de Maio - Livro do Dia

A cargo da Maria Emília, vieram as Intermitências da Morte de José Saramago

11 de Maio - Livro do Dia

A Xana trouxe o livro Venenos de Deus, remédios do Diabo de Mia Couto.

Podem ver a sinopse aqui.

14 de Maio - Noite de Poesia no Pelourinho

Para o recital de poesia, recebi um contributo muito especial (ou não fosse um dia especial também para mim)
Aí vai a leitura da minha pequenina! De Luisa Ducla Soares

VOAR

Meu avô
  voou
   num balão.

Meu pai
  vai
   de avião.

Meus irmãos
  irão
  num  foguetão

Eu
    só se voar
    em pensamento
    mais depressa
            que um balão
            que um avião
            que um foguetão
porque não tenho um tostão

11 de Maio - Caminho/Busca (as leituras do dia)

Para preparar a sessão de poesia do Pelourinho, foi um dia de muito trabalho. Mas valeu bem a pena!

As leituras do dia

- A Isabel trouxe Fernando Pessoa / Álvaro de Campos - Todas as cartas de amor são ridículas (excerto)

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

(...)

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

- Com a Mariana, participamos todos. De Luis de Camões, as duas primeiras estrofes de Os Lusíadas

Todos (em ladaínha, a desaparecer)
As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,


As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;


E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Todos (forte)
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.


- Da Helena chegou Escavação de Mário de Sá Carneiro

Numa ânsia de ter alguma cousa,
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh'alma perdida não repousa.


Nada tendo, decido-me a criar:
Segurando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à fôrça de sonhar...


Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo...
- Onde existo que não existo em mim?

. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .

Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d'amor sem bôcas esmagadas -
Tudo outro espasmo que princípio ou fim...
in 'Dispersão' (O livro pode ser encontrado aqui)

- A Mila trouxe Quero um cavalo de várias cores de Reinaldo Ferreira

Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores?


- O Pedro brindou-nos com um delicioso Boris Vian: Quero uma vida em forma de espinha

Quero uma vida em forma de espinha
Num prato azul

Quero uma vida em forma de coisa
No fundo dum sítio sozinho

Quero uma vida em forma de areia nas minhas mãos
Em forma de pão verde ou de cântara
Em forma de sapata mole
Em forma de tanglomango

De limpa chaminés ou de lilás
De terra cheia de calhaus
De cabeleireiro selvagem ou de édredon louco

Quero uma vida em forma de ti
E tenho-a mas ainda não é bastante

Eu nunca estou contente


- A Paula trouxe O brincador de Álvaro de Magalhães

Quando for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor.
Não quero trabalhar de manhã à noite, seja no que for.
Quero brincar de manhã à noite, seja com o que for.
Quando for grande, quero ser um brincador.

Ficam, portanto, a saber: não vou para a escola
aprender a ser um médico, um engenheiro ou um professor.

Tenho mais em que pensar e muito mais que fazer.

Tenho tanto que brincar, como brinca um brincador,
muito mais o que sonhar, como sonha um sonhador,
e também que imaginar, como imagina um imaginador…

A mãe diz que não pode ser, que não é profissão de gente crescida.
E depois acrescenta, a suspirar: “é assim a vida”.

Custa tanto a acreditar.
Pessoas que são capazes, que um dia também foram raparigas e rapazes, mas já não podem brincar.
A vida é assim? Não para mim.

Quando for grande, quero ser brincador.
Brincar e crescer, crescer e brincar, até a morte vir bater à minha porta.
Depois também, sardanisca verde que continua a rabiar mesmo depois de morta.

Na minha sepultura, vão escrever: “Aqui jaz um brincador.
Era um homem simples e dedicado, muito dado,
que se levantava cedo todas as manhãs para ir brincar com as palavras.»


- O Augusto atirou-se de alma e coração ao Cântico Negro de José Régio (e obrigou outros a um plano B)

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura !

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


-Em contraponto... para o João Todos os caminhos me servem (de Fernando Namora)

Todos os caminhos me servem.

Em todos serei o ébrio
cabeceando nas esquinas.

Uma rua deserta e o hálito
das pessoas que se escondem,
uma rua deserta e um rafeiro
por companheiro.

Ó mar que me sacode os cabelos
que mulher alguma beijou,

lágrimas que os meus olhos vertem
no suor dos lagares,
que uma onda vos misture
e vos leve a morrer
numa praia ignorada.


- O António trouxe-nos a divinal Divina Comédia de Antero de Quental

Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: — «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triumfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inestinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
N'um turbilhão cruel e delirante...

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: — «Homens! por que é que nos criastes?»


- Da Rita ouvimos Procura
(aguardo que mo envies para o poder transcrever)

- Tomando a deixa da "Lua", a Lena foi pelo caminho da estrelas e leu O primeiro astronauta de Mia Couto (acham que me podem fazer uma contagem decrescente?)

O primeiro astronauta
devia ter sido
Silvestre José Nhamposse

Só ele
teria sacudido os pés
à entrada da Lua

Só ele
teria pedido
com suave delicadeza:

- dá licença?

in Raiz de Orvalho e Outros Poemas, [Lisboa, Editorial Caminho, 1999]


- E a Xana continuou com o mesmo autor (não combinámos... mas fomos ao mesmo livro), com o poema Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

- O Fernando pediu ajuda para o poema de Ana Haterly, Balada do país que doi

Todos (cantando)
O mar enrola n'areia
Ninguém sabe o que ele diz
bate n'areia e desmaia
Porque se sente feliz

O barco vai
o barco vem

português vai
português vem

o corpo cai
o corpo dói

português vai
português cai
Todos
ooooooooh

o barco vai
o barco vem

português vai
português vem

o país cai
o país dói

o tempo vai
o tempo dói

português cai
Todos
ooooooooh

português vai
português sai
português dói

- A Teresa brilhou com Uma certa quantidade de Mário Cesariny

Uma certa quantidade de gente à procura
de gente à procura duma certa quantidade

Soma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-avião

Entretanto
e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são

Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:

dói aqui
dói acolá

E resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurar

Que susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse um adolescente
como se é uma nuvem um atelier um astro

- Num repente também a Alexandra mudou de caminho decidiu-se pelo Limpa palavras de Álvaro Magalhães

Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.

Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.

A palavra solidão faz-me companhia.

Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.

Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.

Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.

A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.

A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papéis no ar e
é preciso fechá-la na arrecadação.

No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.

A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.

Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.

Basta estenderes a mão
para apanhares a palavra barco ou a palavra amor.

Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.

A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.

Todos dizem no fim, em coro

A palavra solidão faz-me companhia.

- O Paulo escolheu Desejos Vãos de Florbela Espanca

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a Árvore tosca e tensa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol, altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...


- A Virgínia trouxe Herberto Helder
(Falta-me o excerto... podes enviar-mo?)


- O Paulo brilhou como um relâpago com Matsuo Bashô

Todos devem escolher uma palavra do aiku e dizê-la IN-TEI-RA-MEN-TE algumas vezes, em decrescendo. O Paulo entra no final

Admiravel aquele cuja vida é um contínuo relâmpago
in O gosto solitário do orvalho, antologia poética, versões de Jorge de Sousa Braga, Lisboa, 1986, Assírio e Alvim, pág. 51


- A Helena trouxe Caminhantes de António Machado (não podia ser mais de acordo com o tema...)

Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.

Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.

Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.
- E a Cristina fechou (cantando) com Eros e Psique de Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Exercício para 14 de Maio


No meio do caminho de Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra

o livro de caras do clube











Para nos conhecermos um pouco melhor :)

Se errei algum nome, as minhas desculpas. E corrijam-me por favor.

11 de Maio - Caminho / Busca

O caminho para este dia não está a ser fácil. Recomendações da Cristina: "poesia", "curto" e "ligeiro"!

Na verdade a minha primeira opção (Calçada de Carriche de António Gedeão) está agora posta de lado. Hei-de lá ir noutra ocasião, em que a tosse não me roube a respiração! Parecia fácil? Que engano! Mas tenho que partilhar a frase que me trouxe até aqui, ouvida numa destas manhãs no elevador do emprego "ainda ralhei com o meu filho por ter levado para a escola os sapatos que são de ir ao Doutor"... o caminho casa-emprego-casa não é fácil, pois não?

Então mudei e escolhi o "caminho das estrelas" com O primeiro Astronauta de Mia Couto... espero que gostem!

O primeiro astronauta
devia ter sido
Silvestre José Nhamposse

Só ele
teria sacudido os pés
à entrada da Lua

Só ele
teria pedido
com suave delicadeza:

- dá licença?
in Raiz de Orvalho e Outros Poemas, [Lisboa, Editorial Caminho, 1999]

para quem puder/quiser :)