O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

próxima sessão | 12 Maio 2015

será o tema


será responsável pelo "Livro do Dia"

aviso à navegação (o último)

já há poucos bilhetes disponíveis!

é que vale mesmo a pena :)

eros e psiquê | por autores portugueses nascidos após 25.04.1974




antes de entrarmos no tema da sessão, e porque estamos quase a 25 de Abril,
a Cristina abordou o tema da liberdade (ou falta dela), através de dois livros:
"Diamantes de Sangue" de Rafael Marques (pode ser descarregado aqui) e
"O lado de dentro do lado de dentro", Colectânea
donde leu "Tudo é cinzento" de Afonso Cruz



a Ilda escolheu "Cem anos de solidão" de Gabriel García Márquez



a Margarida leu de José Luís Peixoto

Amor

o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

de "A Casa, A Escuridão"


a Celina leu um excerto de "Biografia involuntária dos amantes" de João Tordo



a Alexandra leu "Eu levo no pacote" de Rosinha

a Ilda leu de Joaquim Pessoa
(nascido antes de 1974... em 1948, no Barreiro)

Bastava-nos Amar

Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.

de "Português Suave"


a Gabriela deu a volta ao tema e leu um excerto de "A casa dos horrores" de Nigel Cawthorne



a Virgínia leu de Sophia de Mello Breyner Andresen
(nascida antes de 1974... em 1919, no Porto)
Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

de "Livro Sexto"


o Luís leu de José Luís Peixoto
Passou tempo e eu não esperava que, um dia, chegasses. Mas passou tempo. Um dia, chegaste. Caminhávamos na rua. Eu pensava em qualquer coisa que não era a ideia de chegares, como uma avalanche que arrasta tudo à sua passagem, como uma multidão a pisar cada pedaço de terra. E a rua ficou deserta quando nos aproximámos. Éramos desconhecidos no instante em que olhámos um para o outro. Passou esse instante e, dentro de nós conhecemo-nos. Chegaste. Eu não te esperava. Contigo trouxeste a ternura, o desejo e, mais tarde, o medo. Chegaste e eu não conhecia essa ternura, esse desejo. Em casa, no meu quarto, neste quarto, revi os teus olhos na memória, a ternura, o desejo. E, depois, aquilo que eu sabia, o medo. E passou tempo. Eu e tu sentimos esse tempo a passar mas, quando nos encontrámos de novo, soubemos que não nos tínhamos separado.

de "Antídoto"


a Maria leu, também de José Luís Peixoto
A mulher mais bonita do mundo

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

de "A Casa, a Escuridão"



a Cristina e o Fernando leram um excerto de "Deixem falar as pedras" de David Machado




licores, bolo de chocolate e bolachas caseiras
sempre a mesma chatice no final das sessões



eis a receita destas bolachas

Ingredientes

150g açúcar (branco ou amarelo)
125g manteiga derretida
300g de farinha (sem fermento ou integral)
1 ovo
Raspa de 1 laranja
1 colher de chá de fermento

Alternativa:

1 colher de sopa de canela ou de chocolate

Modo de preparação:

Juntar o ovo+açúcar+manteiga+raspa da laranja+farinha+fermento.
Envolver
Estender a massa e recortar em bolachas com as formas.
Levar ao forno 10 a 15 minutos

próxima sessão | 21 Abril 2015

será o tema
***ATENÇÃO***
os textos escolhidos serão obrigatoriamente de autores portugueses nascidos após 1974


será responsável pelo "Livro do Dia"

poesia




a Cristina falou-nos de "Cadernos dum amador de teatro" de António Pedro



a Maria trouxe-nos
"História do Sábio Fechado na sua Biblioteca", de Manuel António Pina



a Celina leu Florbela Espanca, acompanhada pela Mafalda, Maria Beatriz, Gonçalo e João
Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...

                                E não sou nada!...


Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente! 



o Gonçalo leu, de sua autoria
Só para variar

Bem não sei o que hei de dizer
faltam-me as palavras
a criatividade está escassa
por favor eu já não sei o que faça.
   
Revolução, depressão, amor ou emoção
nada bate certo no meu pobre coração
não sinto vontade de escrever
sinto que parte de mim está a morrer.

Sendo assim decidi escrever sobre esta escassez
e provavelmente nada de jeito me sairá
mesmo não sendo a primeira vez
vamos lá ver no que dá.

Política? Não obrigado
Religião? Fica para outro dia
Pobreza? Prefiro não comentar
Solidão? Preciso é de companhia!

Mas quem sabe talvez até seja criativo
escrever sobre esta falta de criatividade
mas quem sabe até seja criativo
para um poeta com 14 anos de idade.

Se for criativo que me digam vossas Excelências
se for inovador que me fale esta sociedade
contudo, neste momento sinto-me vazio
falta-me a minha querida criatividade.

Gonçalo Moreira



a Maria Teresa leu Vergílio Ferreira

Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada
com que se fazem os deuses e a poesia.

excerto do conto Uma esplanada sobre o mar (1986) 



o Tomás leu Manuel Freire
Eles

Ei-los que partem novos e velhos
Buscar a sorte noutras paragens
Noutras aragens, entre outros povos,
Ei-los que partem velhos e novos.

Ei-los que partem, de olhos molhados,
Coração triste, a saca às costas.
Esperança em riste, sonhos dourados
Ei-los que partem, de olhos molhados.

Virão um dia, ricos ou não
Contando histórias de lá de longe
Onde o suor se fez em pão

Virão um dia, ricos ou não.

Virão um dia, ou não.

 in Poetas de hoje e de ontem



a Maria leu Maria Alberta Menéres


Falar de poesia a crianças. Mas como? Dizer o que é a poesia? Dar uma definição rigorosa ou sugestiva?
Há algum tempo assisti a um colóquio em que o tema central era precisamente a poesia.
Era um colóquio para jovens e eu sentava-me junto de alguns, ouvindo alguém que se esforçava por demonstrar que não era possível dizer o que era a poesia.
Ao meu lado, baixinho, para não interromper, o Fernando indignou-se:
- Ora esta!, Mas eu sei o que é…
Eu – Então diz lá.
Fernando – A poesia é a beleza da vida.
Eu – Parece-me que tens razão.
Logo o João se meteu na conversa:
- Então as coisas feias não têm poesia?!
Eu – Parece-me que tens razão: as coisas feias também têm poesia.
Salta o André:
- Nesse caso, a poesia pode ser o sentido das coisas.

(…) A poesia é a beleza e o sentido das coisas e de nós próprios.
É uma maneira de olhar o mundo.
É uma forma de atenção a tudo.
Ela pode estar em toda a parte: nós, às vezes, é que não estamos onde ela está, só porque passamos ou vivemos distraídos.
E outras vezes estamos e encontramo-la.
E outras vezes encontramos a poesia e não a sabemos escrever.

o Luís leu Eduardo White
Não faz mal

Voar é uma dádiva da poesia.
Um verso arde na brancura aérea do papel,
toma balanço,
não resiste.

Solta-se-lhe
o animal alado.
Voa sobre as casas,
sobre as ruas,
sobre os homens que passam,
procura um pássaro
para acasalar.

Sílaba a sílaba
o verso voa.

E se o procurarmos? Que não se desespere, pois nunca o iremos encontrar. Algum
sentimento o terá deixado pousar, partido com ele.
Estará o verso connosco? Provavelmente apenas a parte que nos coube.
Aquietemo-nos. Amainemo-nos esse desejo de o prendermos.

Não é justo um pássaro
onde ele não pode voar.



a Alexandra leu José Carlos Ary dos Santos
Poeta Castrado Não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não! 





a Gabriela leu de Percy B. Shelley, um excerto de Defesa da Poesia




o Fernando leu "Travessa do Diabinho" de Miguel-Manso, de "Tojo - Poemas Escolhidos"



a Ana e a Luísa leram Jorge Castro
Hoje, eu cá celebro Abril 

Aqui ficam outros poemas do autor.


a Teresa leu um excerto de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto


o Renato leu um excerto de O filho do desconhecido de Alan Hollinghurst 


a Margarida leu Ana Paula Lavado
Nenhum verso


Nenhum verso fala de mim
nem do que eu penso
nem do que eu sinto
nem do que eu sou.
Na realidade,
as palavras são apenas
um jogo de letras
mais ou menos cinzelado
ao gosto de cada um.
E poucos, muito poucos
fazem delas seres vivos e humanos.
Eu não lhes dou vida.
Trabalho-as com mais ou menos nexo
ou talvez sem nexo,
porque dele não sinto falta
nem faz falta o que sou!


a Cristina leu, de Sophia de Mello Breyner Andresen
 Arte Poética V

Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português, chamado Nau Catrineta. Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.

Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.

Pensava também que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.

No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia sem silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.

Um dia em Epidauro — aproveitando o sossego deixado pelo horário do almoço dos turistas — coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria voz, livre, desligada de mim.

Tempos depois, escrevi estes três versos:

    A voz sobe os últimos degraus
    Oiço a palavra alada impessoal
    Que reconheço por não ser já minha.

(Lido na Sorbonne, em Paris, em Dezembro de 1988,
por ocasião do encontro intitulado Les Belles Étrangères)


e não poderíamos acabar sem as tradicionais guloseimas